quarta-feira, 22 de julho de 2009

Papel-manteiga para embrulhar segredos: receitas culinárias, de Cristiane Lisbôa


Este Papel-manteiga não forra as fôrmas, sequer se deixa descansar nele a cobertura do bombom. Este papiro é compatível com a língua, a física e a falada, pode-se embrulhar nele sabores factíveis e ficcionais. Livros que receitam são tão íntimos quanto o amor.

Receitas são letras e não o bolo em si, a bandeja. Porque palavras se transformam em bolo se você quiser. Eis um romance permeado por receitas até para quem não tem fogão. Cozinhe e faça a sesta, uma vez que as cartas/capítulos deste romance levam o leitor ao sombreiro que a boa literatura traz aos bons de prato.

Ingredientes unidos por Tatiana Damberg, em alquímica sabedoria, encontram seu cozimento nas graças de Cristiane Lisbôa, que faz literatura até com miolo de pão. A forma como se escolhe ingredientes, como se perfuma as panelas e se deixa cozer as carnes foi, é, e sempre será misteriosa para quem a faz, imagine para quem a lê. Tem em mãos um romance epistolar, receitas solares e madrigais. Alcance uma poltrona e dispense o guardanapo. Ninguém está olhando.
Andréa del Fuego

Para dar um gostinho, leia uns trechos...

Lembrança da Virgínia
Enquanto você faz pão, procure escutar cantigas de roda.

BisAna
Se a senhora pudesse ver até onde cresce um pé de cou-
ve, se assustaria. Nem as tias, com todo aquele conhecimento
são capazes de um fenômeno deste tipo. Aqui, as couves fcam
inchadas, grandes, de um verde escuro profundo, e mais altas
que um cachorro pequinês. Em pé.
Minhas unhas estão um caco, não sentem esmalte há meses
(nem sei mais quantos) e, mesmo depois de limpas, se eu
encostar em uma parede branca, certamente deixarei visíveis
minhas impressões digitais. Pouco importa, estando aqui. Sei
das minúcias da terra, perdi o nojo de minhocas e rio por uma
tarde se as cenouras passam de um palmo. Viraria vegetariana
só pela boniteza do que planto, se carnes não me apetecessem
tanto as lembranças de pequena. Pela minha facilidade com a
horta, posso cozinhar vegetais e verduras para os clientes.
Coisas pequenas; ela jamais arriscaria a boa fama do restaurante
nas mãos de uma aprendiz de queixo redondo. Mesmo assim,
os clientes têm elogiado. Senhorita Virgínia recebe os elogios
mas nunca os repassa. Tem medo de estragar a pupila.
Com dois beijos gigantes,Antônia.

quiche de couve

massa
275g de farinha
130g de manteiga
1 ovo e 1 gema
ervas secas, se quiser
uma pitada de sal

Misture a farinha com a manteiga usando a ponta dos dedos, até
virar uma farofa. Acrescente o ovo, o sal, as ervas e trabalhe a
massa, apertando e esmagando. Faça uma bolinha, embrulhe em
flme plástico e deixe 30 minutos em geladeira antes de abrir.

recheio
½ maço de couve
Folhas de um galho de alecrim
Folhas de 10 galhos de orégano fresco
4 ovos
¼ de xícara de creme de leite
½ xícara de parmesão ralado, mais um pouco para gratinar
½ colher de sopa de alho picado
1 cebolinha grande
1 colher de sopa de azeite
sal e pimenta do reino a gosto

Pré-aqueça o forno em fogo médio. Abra a massa e deixe pronta na
fôrma. Limpe a couve e corte em pedaços sem pretensão. Pique
a cebolinha e as ervas. Aqueça o azeite em uma panela e coloque
o alho e a cebolinha. Cozinhe até dourar. Adicione a couve e as
ervas, tampe e cozinhe até amolecerem. Adicione sal e pimenta a
gosto e retire do fogo.
Bata à mão os ovos com o creme. Adicione uma pitada de sal.
Junte metade desta mistura de ovos aos verdes refogados. Em seguida,
coloque a mistura de verdes no restante da mistura de ovos.
Coloque tudo sobre a massa, cubra com parmesão e asse por cerca
de 30 minutos, ou até dourar o topo.

Lembrança da Virgínia

Outro recheio para esta massa de torta. Refogue cerca de ½ xícara
de bacon picado com a mesma quantidade de presunto e de cogumelos.
Misture 3 ovos com ½ xícara de leite e outra ½ xícara
de creme de leite, sal, pimenta e noz moscada. Se quiser, coloque
também cebolinha picada. Monte a torta. Abra a massa e coloque
sobre ela 80g de queijo gruyère ralado, a mistura de bacon e a
mistura de ovos. Cubra com queijo parmesão e asse em forno médio.
Pronto. O legítimo quiche lorraine. Sirva com salada. A que você
gostar, oras.

Bisa,
Quase fomos descobertas. Meu coração bate com força
até agora, e não sei como seguiu batendo, quando enxerguei
Senhorita Virgínia parada na porta do meu quarto, escutan-
do eu (burra, burra) dizer em voz alta a receita que escrevia.
Faltou-me sangue às faces, Bisa, não gritei porque minha voz
tinha se escondido. Notei que ela estava sem óculos. É um po-
ema. Para quem? Para a senhora. Tive que inventar um poema
na hora, ali, uma bobajada que terminou com uma humilhan-
te rima entre ovo e felicidade de povo. Ela saiu em silêncio.
Por favor não conte para ninguém, mas fui para debaixo da
cama bater a cabeça no chão. Usei pouca força, mas bati. De
raiva. Horas depois a porta do quarto se abriu. Senhorita Vir-
gínia estava com uma pilha de livros de poesia, para que eu
lesse no intervalo das refeições. Quem não sabe sequer rimar,
tampouco entende de panelas. Aprendi mais esta. E por hora,
estamos salvas.
Afitíssima,Antônia.

ovos mexidos com cogumelos

6 ovos
um grande punhado de cogumelos
1 colher de sopa de manteiga
6 colheres de chá de leite
pimenta do reino a gosto
4 pitadas de sal

Aqueça uma frigideira e derreta nela a manteiga. Limpe, pique
e cozinhe os cogumelos na manteiga aquecida. Em uma tigela,
bata os ovos com o leite e o sal. Quando os cogumelos secarem,
derrame os ovos na panela, deixe um pouquinho e comece a mexer,
formando mini-pedaços de ovos. Finalize com pitadas de pimenta
do reino e sirva com torradas.

Lembrança da Virgínia

Pegue duas grandes cenouras e corte em rodelas. Coloque-as
em uma panela ou frigideira funda. Adicione uma pitada de sal,
uma colher de sopa de açúcar, outra bem cheia de mel e uma de
manteiga. Cubra e deixe cozinhar em fogo baixo até as cenouras
fcarem macias. Retire a tampa e deixe que a água seque, em fogo
alto. Sirva como entrada. E coloque guardanapos extras.

Bisa,
Ouço um barulho de tambores e atabaques perto daqui.
Quem traz o som é o vento, naturalmente, mas o barulho é tão
alto e próximo, que nem as carpas do laguinho devem estar dormindo.
É a primeira vez que ouço os moradores da Ilha do Meio,
que aparecem só nos pesadelos das crianças do Vilarejo. Meu
corpo chega a coçar de curiosidade, e sinto arrepios fninhos
subindo pelas pernas junto com a vontade de dançar. Contam das
moças que sentiram esses mesmos sintomas e dançaram até o
corpo fcar eternamente exausto. Penso que se houver uma próxima
noite destas, não resistirei em testar a veracidade desta lenda.
Meia lua, parece unha do gigante, como contava o biso.
Só metade aparecendo, é o gigante que cortou as unhas para
encontrar a namorada e pegou a lua de presente. Até nascer outra,
a unha dele faz esse papel. Minha noção de romantismo vem
daí, o que explica a minha falta de sorte com pretendentes.
Adoraria que esta ilha fosse uma deslavada mentira, assim,
quando eu voltasse, conseguiria contar a história sem pudor
algum, exagerando propositadamente nos detalhes. Mas é
real, Bisa. Nas noites em que eles vão cantar e dançar em cada
porta do Vilarejo e da redondeza amanhece com uma mimosa
violeta de duas cores. É o sinal para que ninguém saia de casa e
as reservas do restaurante sejam canceladas. Na manhã seguinte
todos dormem até muito tarde, e o café da manhã precisa
ser forte como o almoço. Se é que se consegue comer alguma
coisa quando se esteve tão perto do irreal.
Antônia.

fritada matutina

7 ovos
aspargos em pedaços
fatias grossas de presunto, em tiras
fatias grossas do seu queijo preferido (gruyère fca ótimo), em tiras
parmesão para polvilhar
azeite para fritar
sal e pimenta a gosto

Bata os ovos e misture com os aspargos, o presunto, o queijo, o sal
e a pimenta. Usando uma frigideira grande, frite no azeite, em
fogo baixo por cerca de 15 minutos. Quando estiver quase completamente
assada, tire do fogo, polvilhe com parmesão e leve
para gratinar em forno ou salamandra até dourar bonito.

Lembrança da Virgínia

Um caldinho quente também repõe as forças. Ferva duas batatas
doces grandotas. Quando macias, esmague e descarte as cascas.
Ferva 700ml de caldo de frango, misture com as batatas esmagadas
e com ½ xícara bem servida de creme de leite. Tempere com
sal e pimenta. Sirva em largas xícaras de barro. Ou verdes.

Ficha Técnica Formato: 13 x 18 cm / Páginas: 104
Capa: Brochura / Edição: 1
Lançamento: 2006 / Idioma: Português
ISBN: 85-89617-02-5
Preço: R$ 19,90

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